VITÓRIA [ AEI NEWS ] — Atualmente, textos escritos e assinados por mulheres fazem parte do cotidiano no conteúdo veiculado pela Imprensa. Nesta terça-feira (08), que marca o Dia Internacional da Mulher, é importante lembrar que no passado houve o esforço e a atuação das pioneiras na busca por espaço para a exposição das suas ideias. A revista Vida Capichaba, que faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) e circulou nos anos de 1923 a 1954, foi a primeira a dar visibilidade a essas publicações. Nela, temas como a política e o direito ao voto foram abordados, proporcionando às intelectuais condições para expressarem as suas opiniões e fortalecerem uma posição crítica e autônoma.
A historiadora Lívia de Azevedo Silveira Rangel, na dissertação de mestrado “Feminismo Ideal e Sadio: os discursos feministas nas vozes das mulheres intelectuais capixabas”, afirma que as capixabas exploraram as possibilidades fornecidas pela mídia impressa para dar amplitude aos seus projetos e expectativas. A Vida Capichaba foi o principal veículo no qual esses debates se desenrolaram, trazendo um considerável número de artigos, notas e ensaios que abordavam o pleito e a elegibilidade e o acesso ao trabalho e à educação. “A minha pesquisa teve por objetivo tornar menos invisíveis essas ações e as falas dessas mulheres nas letras, na política e, sobremaneira, na luta pela emancipação feminina, nos anos iniciais do século XX” destaca Lívia.
Guilly Furtado Bandeira, Carolina Pickler, Haydée Nicolussi, Maria Antonieta Tatagiba, Lydia Besouchet, Hersila Valverde, dentre outras escritoras, utilizaram o impresso para adentrar em searas até então direcionadas apenas ao masculino, deixando de atuar somente nos ambientes prescritos – como mães, esposas e donas de casa – para se projetarem nos locais conquistados, entendidos como aqueles campos coibidos às mulheres, de maneira implícita ou declarada. Com isso, puderam de forma inédita, expor e publicar seus pensamentos, quanto ao que consideravam injustiças e cerceamento de suas convicções.
A poeta Maria Antonieta Tatagiba, por exemplo, que alcançou na década de 1920 um sucesso inimaginável para uma mulher escritora, em entrevista à revista em 1925, aborda: “Com ódio ou temor dizem, em frases cheias de mel, coisas, na verdade belas, mas sem efeito na vida real: a mulher é um manancial de nossa felicidade, é uma criatura quase divina, que não deve viver a não ser no ambiente puro da família, é um anjo, é uma deusa, é o sol de nossa vida. Tudo isso seria muito belo, agradaria à fantasia, entusiasmaria as almas sentimentais, mas não melhoraria a situação da mulher na sociedade”. Finalizando sua análise, Tatagiba argumenta: “Deixem que as mulheres lutem e trabalhem, nem todas se casam, nem todas possuem um lar, nem todas se acham ao abrigo das necessidades, a essas que provem a subsistência com o labor das próprias mãos, o nosso carinho e o nosso respeito, porque enobrecem, exaltam as virtudes e elevam a dignidade”.
Dentre elas, destaca-se também, Lydia Besouchet. Em uma época na qual o matrimônio e a maternidade eram considerados, muitas vezes, a única destinação, ela se dispôs a refletir e criticar as condições de submissão e o desapontamento com a falta de articulação das brasileiras em prol de uma maior representatividade, o que ela considerava um direito legítimo. No artigo “Feminismo”, publicado em 1932, Lydia Besouchet aborda as ações do Governo para permitir o voto e constata, com tristeza e espanto, a apatia com a qual a novidade foi recebida. Para ela, o direito ao pleito “correspondia a uma necessidade consciente, exigido por quem tem o direito de exigir”, porém no Brasil, o que ocorria, era um caso surpreendente, no qual as resoluções vinham de cima para baixo, seguindo as motivações internacionais, e não por pressões daquelas que deveriam reivindicar. Besouchet expõe a sua visão sobre o fato: “Votar!… A mulher brasileira vive ainda na pior das escravidões: aquela que desconhece a sua qualidade de escrava, ainda a ‘presa’ que nega ser propriedade do homem, ou a criada que se orgulha de servir ao seu amo ou senhor”. Suas opiniões fortes fizeram dela uma personalidade polêmica. Besouchet mudou-se para o Rio de Janeiro e teve significativa atuação política. Foi perseguida diversas vezes e a sua liberdade se sustentou em disfarces e esconderijos.
Em um dos artigos mais contundentes presentes na publicação, Guilly Furtado Bandeira, colaboradora recorrente do periódico, discorre, em 1931, sobre as suas angústias diante da naturalização da violência contra a mulher. Conforme declara: “Basta abrir, ao acaso, qualquer gazeta diária e, no escândalo garrafal dos versaletes da imprensa, nos deparamos com mais um ‘homem honesto’ a lavar a sua honra, essa decantada e esplendorosa honra, que para lavar, é preciso sujá-la com sangue”. Afirmando que somente a própria mulher pode emancipar a mulher, Giully argumenta sobre o fato dos seres humanos serem feitos dos mesmos agregados de moléculas, cartilagens e ossos e devem, portanto, se complementar, e não se imporem uns sobre os outros. “A mulher começa a esclarecer-se. Desdobra-lhe, enfim, depois de se haver conservado a vida embrionária de semente, durante séculos, na eclosão esplendida da consciência, firme e integral do espírito” ressalta.
Para Lívia Rangel essas escritoras – cujas ideias consideradas ousadas chocaram e proporcionaram transformações – tinham em comum o modo atípico como desafiaram as relações de poder, contribuindo para a gradativa redefinição dos papéis de gênero dentro da nova sociedade urbanizada e no interior da própria instituição familiar. Pode-se afirmar que as suas experiências de luta, enfrentamento, autoconhecimento e afirmação da conquista de direitos enriqueceram e modificaram a história das mulheres no Estado do Espírito Santo.
(APE)